Nagasaki: Memória Atómica

Parque Memorial da Paz

Publicação especial e comemorativa do aniversário do bombardeamento de Nagasaki: 9 de Agosto de 1945.

A visita a um local marcado pela guerra e pela tragédia não é um assunto feliz, mas é importante. Por vezes as viagens levam-nos a lugares onde as cicatrizes dos conflitos estão bem marcadas, e onde a população decidiu – e com todo o direito – preservar a memória desses acontecimentos. Nagasaki é uma cidade com essa marca, uma das marcas mais pesadas que existem na Terra, a de ter sido atingida por uma bomba nuclear. Contudo, cada caso é um caso, e mesmo havendo uma outra cidade no Japão onde isso também aconteceu e onde também há um museu e um parque memorial sobre o tema, em Nagasaki a história tem uma maneira muito própria de ser contada.

Por tudo isto, este artigo será muitíssimo subjetivo, e nada típico deste site. Penso que apenas poderei dar a minha visão do assunto, e não A visão do assunto. Porque um assunto tão complexo como este trará certamente para a sua mente muitas questões e muitas emoções. Que isso não o impeça de visitar estes lugares de Nagasaki, e de pensar na importância da Paz.

Os locais associados a este acontecimento, e que se podem visitar hoje em dia, são essencialmente dois: o Parque Memorial da Paz e o Museu da Bomba Atómica, este por sua vez contém o Pátio da Paz, estando todos estes elementos justapostos sobre uma colina a Este do estádio de basebol. Na verdade, a zona do atual estádio correspondia aos limites do bairro de Urakami naquela altura, o qual partilha o nome com o ribeiro que ali corre no sopé da colina. Urakami albergava casario pela colina acima, até ao planalto, onde os habitantes preservaram uma zona aberta para reuniões comunitárias e serviços religiosos. Nesse planalto, no final do século XIX, os japoneses de Urakami, que de certo modo se viam a si mesmos como uma comunidade fechada dentro da grande cidade de Nagasaki, imaginaram um futuro brilhante. É que Urakami tinha uma longa história de dor e sacrifício, mas a maré parecia estar a mudar... Mas o melhor sobre esta parte da história será ler o que está escrito na placa que está no Parque Memorial da Paz, e que aqui transcrevo literalmente:

Aqui neste mesmo local ergueu-se a Catedral de Urakami, a qual veio a estar a menos de 500 metros do epicentro de detonação da bomba nuclear sobre Nagasaki. Os fiéis católicos que viviam em Urakami começaram o projecto desta igreja em 1895 e construíram-na tijolo a tijolo ao longo de três décadas. Quando foi terminada, a Catedral de Urakami era uma das mais impressionantes igrejas do Extremo Oriente. A explosão da bomba atómica, que ocorreu às 11:02 da manhã no dia 9 de Agosto de 1942, destruiu completamente o edifício. Parte das paredes das torres sineiras que se aguentaram nesse momento colapsaram pouco depois, e hoje apenas um canto permanece parcialmente de pé. Um dos topos da torre sineira, o qual pesa aproximadamente 50 toneladas, foi projetado algumas dezenas de metros com a força da explosão e decidiu-se que se preservaria no lugar onde caiu para memória futura. O bairro de Urakami albergava, desde o século XVII, população japonesa cristã, que ali tinham procurado refúgio ao fugir das perseguições que se faziam aos cristãos por todo o Japão. 12 000 japoneses cristãos residentes em Urakami e aproximadamente 8500 cristãos residentes nas proximidades de Urakami pereceram neste bombardeamento atómico. Esta placa, instalada neste lugar pela Cidade de Nagasaki, presta respeito aos que aqui faleceram, para que descansem em paz, e para que esta tragédia nunca mais se repita. Data: 1987.

O Parque da Paz não é um sítio lúgubre: tem amplas praças, estátuas dignas e inspiradoras, passeiam pombinhas pelo chão, e há bancos de jardim à sombra das árvores. As pessoas podem passar da leitura desta placa para a contemplação das (frágeis e pequenas) ruínas da catedral de Urakami, e podem passear-se por todos os outros pontos com placas que explicam aspectos do bombardeamento, sem contudo se atropelarem ou sequer se cruzarem, de tal maneira o espaço é amplo. Não há nenhuma visão assustadora dos acontecimentos nem apelo ao grotesco. Nagasaki conseguiu tratar desta memória delicada com suavidade, sem deixar perder a importância da mensagem: nunca mais repetir o caminho para a guerra, sob nenhuma ideologia, em nenhuma parte do mundo.

A mensagem do Parque da Paz não é só sobre uma comunidade que inscreveu a bomba atómica na sua longa história de sofrimento (desde as perseguições do século XVII), é sobre a escolha do que fazer com a memória do sofrimento de um modo geral. Aqui souberam fazer dele um sentido, e a prova disso é que esse sentido lhes deu força para reconstruírem Nagasaki, e reerguerem a Catedral de Urakami, a qual agora está alguns metros mais acima: um enorme edifício de tijolo vermelho que foi terminado em 1959.

Os vários caminhos que serpenteiam pelo Parque e que nos permitem aceder ao edifício do Museu da Bomba Atómica (e pouco depois, passando por um cruzamento, à nova Catedral), escondem um herói insuspeito: a natureza. Sobre nós as folhas das árvores abanam ao vento, ao nosso lado as flores enfeitam com cores os lados do trilho. Em 1945 vaticinaram que nada nasceria ali durante uns bons 70 anos, talvez até mais, mas a natureza venceu as probabilidades muito antes disso.

Num dos lados da grande praça do epicentro, existe um mural com informação detalhada do urbanismo de Urakami e arredores imediatamente antes da detonação. Cada quarteirão está marcado, cada propriedade anotada, cada casa tem o nome da família que ali habitava, que negócio tinha, etc. Todas as escolas, repartições públicas e serviços estão indicados. Ali, quase sem alarido, as filhas e filhos dos que perderam tudo menos a própria vida procuram no mapa algo que seja coincidente com as memórias que os seus pais e mães lhes contaram. “Ali ele viveu.” “Ali ela frequentou a escola.” São pessoas que podem até nem residir em Nagasaki – porque os seus progenitores foram adotados por famílias de outras cidades – mas são também eles filhos desta bomba, segunda geração de um património oral e emocional particular, e a cidade que já não existe está ali marcada no mural para que todos possam revisitá-la.

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